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"A retirada da Laguna" de Visconde de Taunay. Edições Melhoramentos, 13ª edição, 1952.


Eurípedes Barsanulfo Pereira

Em 1875, à frente de uma comitiva de 65 pessoas, incluindo praticamente toda sua família, em doze carros mineiros, animais de montaria e de carga, e um lote de gado de cria, José Antônio Pereira deu início à segunda viagem rumo ao seu destino, a pequena propriedade que deixara no Campo Grande. Desta vez, o destemido sertanista resolveu seguir um caminho diferente, e menos longo, que passava pelo povoado de Sant'Anna do Paranahyba, na Província de Mato Grosso, junto à divisa com a de Minas Gerais.

VILA DA PRATA (PRATA - MINAS GERAIS)

Deixando Monte Alegre, tomou o rumo sul e, após a ultrapassagem do rio Tejuco a meio caminho, foi ter à Vila da Prata (hoje Prata, Minas Gerais), a cerca de 9 léguas de distância, no então chamado, Sertão da Farinha Podre. Naquele tempo, era um pouco maior que Monte Alegre, com sua primeira capela construída em 1811, quando tinha o nome de Arraial de Nossa Senhora do Monte do Carmo. A partir de 1848 passou a denominar-se Prata.

Vencida esta primeira etapa da viagem, com parada de descanso, retoma a jornada em sentido sudoeste. Transpõe, poucas léguas após, o rio da Prata. Procura atingir as proximidades da margem direita do Rio Grande, vadeando continuamente os afluentes à direita do rio Verde (de Minas), até chegar, quase 20 léguas depois, à freguesia de São Francisco de Sales, junto à divisa da Província de Minas com a de São Paulo.

FREGUESIA DE SÃO FRANCISCO DE SALES

Para ilustrar os caminhos percorridos por José Antônio Pereira, em sua segunda viagem, outra vez, iremos nos valer das narrativas* do Visconde de Taunay, constante da obra: CÉUS E TERRAS DO BRASIL (1), na qual relata, detalhadamente, sua viagem de retorno a Corte, desde o porto do Canuto, às margens do rio Aquidauana, até o Rio de Janeiro, passando pelo Campo Grande, por Camapuã e Sant'Ana do Paranahyba. Ao chegar à freguesia de São Francisco de Sales (atualmente São Francisco de Sales, Minas Gerais), em 12 de julho de 1867, descreve nestes termos, as características do lugar:

"(...) povoação constante dumas quarenta casas, poucas de telhas, muitas em ruínas, fundada em 1837 pouco mais ou menos, e que nenhum progresso tem tido: definha lentamente, balda das esperanças que melhores condições poderiam fazer nascer, entretanto o terreno é fértil, a posição bonita e a índole dos habitantes boa. Na várzea que se percorre antes de subir a suave encosta em que assentam as casas, vimos pela última vez os belíssimos grupos de buritis (...) [pg. 101] (1)

A comitiva de José Antônio, depois de descansar na freguesia de Francisco de Sales, seguiu caminhos, à oeste, quase em linha reta, não distantes da margem direita do Rio Grande, em terras mineiras, passando nas proximidades de onde se encontram, na atualidade, as cidades de Iturama, Alexandrita e Carneirinho.

RIO PARANAÍBA

Com aproximadamente 20 léguas de percurso, chega enfim às margens do Rio Paranaíba, na altura do atual Porto Alencastro, divisa da então Província de Mato Grosso com a de Minas Gerais.

"(...) entramos na mata do rio Paranaíba, a qual conserva em seus terrenos enatados, lodacentos, e nos troncos de suas árvores, sinais duma grande cheia, não remota. Desse centro é que se irradiam as febres; a putrefação vegetal, tão fatal aos homens, aí se efetua incessantemente, infeccionando a atmosfera três a quatro léguas ao redor. As margens do Paranaíba são naturalmente barrancosas; as águas claras, têm velocidade considerável, que a constante inclinação e esforço dos sarandis, em alguns pontos mais próximos das ribanceiras, indicam, a largura é de 350 a 400 braças. Para atravessá-las, existe uma barcaça composta de duas estragadas canoas de tamboril mantida pela barreira provincial de Mato Grosso, que daí tira algum rendimento." [pg. 98] (1)

VILA DE SANT'ANNA DO PARANAHYBA (PARANAÍBA - MATO GROSSO DO SUL)

Percorrendo uma légua e meia desde o Rio Paranaíba, José Antônio Pereira chega à Vila de Sant'Anna do Paranahyba, na Província de Mato Grosso. Pretendendo estacionar ali o tempo suficiente para descanso e reabastecimento, providencia o empréstimo de terreno para a plantação de uma pequena roça. Entretanto, depara-se com um surto local de febre palustre. Obriga-se a permanecer por vários meses, retardando a marcha da viagem. Por seus conhecimentos de fitoterapia, e terapêutica homeopática, é convocado a colaborar no atendimento aos doentes. Na falta de um facultativo, naquela situação emergencial, atuou como verdadeiro médico, tendo ajudado a salvar muitas vidas.

A Vila de Sant'Anna seria muito diferente daquela, sobre a qual nos conta Taunay, quando por ali passou, nos idos de 7 de julho de 1867?

"O aspecto da povoação pareceu-nos sumamente pitoresco, talvez pelo desejo ardente de alcançá-la, como o ponto terminal do sertão de Mato Grosso ou como o último laço que nos prendia àquela província, em que tanto havíamos sofrido, talvez pela estação em que chegávamos; na realidade, metidas de permeio às casas, moitas copadas de laranjeiras, coroadas de milhares de auríferos pomos, ao lado doutras carregadas de cândidas flores, encantavam as vistas e embalsamavam ao longe os ares, trescalando o especial aroma. (...)

Transpondo um còrregozinho e subindo uma ladeira onde há míseras casinholas, chega-se à principal rua da povoação, outrora florescente núcleo de população, hoje dizimada das febres intermitentes, oriundas das enchentes do Paranaíba, ou pelo menos já estigmatizada dêsse mal, o que quer dizer o mesmo, visto como os moradores que de lá fugiram, não voltam mais; 800 habitantes mais ou menos, três ou quatro ruas bem alinhadas, uma matriz em construção, há muitos lustros, o tipo melancólico duma vila em decadência, o silêncio por todos os lados, crianças anêmicas, mulheres descoradas, homens desalentados, eis a vila de Sant'Ana, ponto controverso entre as províncias de Goiás e Mato Grosso (...)" [pg. 97] (1)

Segundo Taunay, o único prédio assobradado da vila, onde pernoitou, era a casa do major Martim Francisco de Melo, que o recebeu de modo hospitaleiro.

RUMO A CAMAPUÃ (CAMAPUÃ - MATO GROSSO DO SUL)

Debelado o surto de malária, sem que nenhum dos seus houvesse perecido; refeitos do cansaço das jornadas precedentes e reabastecidos com os meios necessários de sobrevivência; José Antônio, à frente de sua comitiva, enceta viagem por mais 63 léguas, nos sertões da Província de Mato Grosso. A partir daquele ponto, a caravana passou a ter 62 pessoas e onze carros mineiros, uma vez que sua filha Maria Carolina (que tinha o mesmo nome da mãe) e seu genro, Antônio Gonçalves Martins, juntamente com a filha do casal, Maria Joaquina, haviam resolvido regressar a Minas Gerais.

Procurando chegar a Camapuã, toma o rumo noroeste, em direção a Baús. Viaja, portanto, através de um caminho paralelo ao rio Aporé, parte da chamada "estrada do Piquiri" (2), que passava na região do atual município de Cassilândia. Em pleno Sertão dos Garcias, vai encontrar fazendas ao longo desta trilha, e certamente transpor os ribeirões das Pombas e Indaiá, citados por Taunay (1). A meio termo, desvia sua jornada para oeste, observando neste trecho, em sentido contrário, a mesma rota seguida por Taunay, de retorno a Corte, em 1867.

Procurando ultrapassar os rios, na medida do possível, contornando suas nascentes através de seus espigões, acaba chegando ao Sucuriú. Às margens deste, haviam moradores muito pobres:

"Algumas choças esburacadas abrigam meia dúzia de habitantes paupérrimos, amarelados das febres intermitentes e de constituição enfezada, os quais vivem à mercê de plantações proporcionais à fôrça de trabalho, representada pela mais completa indolência (...) [pg. 93] (1).

Os integrantes da comitiva são transferidos para a margem oposta do Sucuriú, por meio de canoas. Animais e carros de bois transpõem-no, a vau.

A partir daí, até Camapuã, irão varar os dias sem encontrar uma única alma vivente ao longo daqueles sertões inóspitos. Jornadeiam apenas do raiar ao por do sol, ultrapassando os rios, através de seus leitos. Vencem o São Domingos, depois o rio Verde (de Mato Grosso do Sul) e finalmente, após passarem pelo ribeirão Claro, chegam ao Brejão, a pouco menos de 8 léguas da abandonada Fazenda Camapuã. Nas cercanias dessa fazenda, a uma légua e três quartos, irão encontrar o lugar chamado Corredor, "(...) habitado por negros e mulatos livres, ou libertados pelo fato de não aparecerem herdeiros de seus possuidores." [pg. 89] (1).

Em Camapuã, a comitiva de José Antônio Pereira permanece por alguns dias, para reabastecimento e descanso.

DESTINO FINAL: O "CAMPO GRANDE"

Vinte e duas léguas de viagem os separava da pequena propriedade, deixada em 1872, situada na confluência de dois córregos, em terras do Campo Grande. José Antônio prossegue para o sul em busca de seu destino. Vadeia as cabeceiras do rio Pardo na altura do atual Capim Verde, e, trilhando caminhos que passavam por Bandeirante, Bom-Fim e Jaraguari de hoje, atinge o seu destino em 14 de agosto de 1875. Encontra no local uma pequena família proveniente do povoado da Prata, próximo de Monte Alegre, e que, procurando os campos da Vacaria, há poucos meses, resolvera por aqui permanecer. Seu patriarca, Manoel Vieira de Souza (Manoel Olivério), recebe-os fidalgamente, propondo a devolução da propriedade, mediante o ressarcimento da importância que havia pago ao zelador do pequeno sítio, que aliás, depois do negócio, havia tomado rumo ignorado.

Associando-se agora com Manoel Olivério, providencia a imediata construção de vários ranchos ao longo da margem direita do córrego, depois denominado "Prosa", na altura da atual Rua 26 de Agosto. Os habitantes somam, então, 72 pessoas. José Antônio dá-se conta que estava fazendo surgir um novo povoado e logo providencia a determinação de seus limites. Denomina-o Arraial de Santo Antônio do Campo Grande, em homenagem ao Santo de sua devoção, cumprindo promessa que fizera ao passar pela Vila de Sant'Anna do Paranahyba, caso nenhum de sua comitiva perecesse de febre palustre, que acometia a população daquela localidade.

A segunda viagem, de Monte Alegre de Minas ao Campo Grande, embora seguindo um trajeto mais curto (aproximadamente 140 léguas), teve uma duração maior, em virtude do tamanho da comitiva, da lentidão característica dos carros de bois e da permanência prolongada na Vila de Sant'Anna do Paranahyba.




TERCEIRA VIAGEM DE JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA

E. Barsanulfo Pereira


A terceira e última viagem de José Antônio Pereira às Minas Gerais aconteceu em 1878. Voltou a Monte Alegre para buscar seu genro, já viúvo, Antônio Gonçalves Martins; sua neta, Maria Joaquina; o esposo desta, Tomé Martins Cardoso; e a filhinha do casal, Maria Jesuína.

A bem da verdade, alguns fatos motivaram esse derradeiro retorno. Por ocasião da segunda viagem ao Campo Grande, com toda sua família, José Antônio fazia-se acompanhar, também, de sua filha Maria Carolina. Esta, cujo nome era igual ao de sua progenitora, vinha com seu marido, Antônio Gonçalves Martins, e a filha, Maria Joaquina.

Chegando ao povoado de Sant'Anna do Paranahyba, Antônio Gonçalves, por motivos ignorados, desentendeu-se com o sogro e resolveu regressar a Minas em um dos carros de bois, levando esposa e filha. Como foi anteriormente referido, a comitiva de José Antônio Pereira, quando partiu de Monte Alegre, utilizava-se de doze carros mineiros, chegando ao Campo Grande com apenas onze.

Entre os anos 1875 e 1878, Maria Carolina falece em Monte Alegre. José Antônio Pereira, patriarca de bom coração, naturalmente saudoso de seus familiares que se encontravam naquela cidade do triângulo mineiro, retorna para revê-los. Não mais encontra sua filha, mas sim o genro, agora viúvo e a neta Maria Joaquina, já casada, e com uma filha recém-nascida. Certamente em decorrência da índole daqueles mineiros, a reconciliação foi inevitável.

Assim sendo, no mesmo ano de 1878 José Antônio Pereira acaba persuadindo-os a mudar, definitivamente, para o Arraial de Santo Antônio do Campo Grande, e se juntar aos demais integrantes da enorme família dos Pereiras.

O itinerário dessa viagem, em todos os seus aspectos, isto é, dos trajetos seguidos aos locais de parada para descanso e reabastecimento, semelhou-se ao da segunda viagem.


* Cuidamos, para que as citações, tanto quanto possível, mantivessem a ortografia das obras originais.

BIBLIOGRAFIA:

1. TAUNAY, Visconde de. CÉUS E TERRAS DO BRASIL (9ª edição). VIAGENS DE OUTRORA (3ª edição). Cia. Melhoramentos, São Paulo, 1948.

2. GUIMARÃES, Acyr Vaz. MATO GROSSO DO SUL, Sua Evolução Histórica. Editora UCDB, Campo Grande-MS, 1999.

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