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"A retirada da Laguna" de Visconde de Taunay. Edições Melhoramentos, 13ª edição, 1952.


Eurípedes Barsanulfo Pereira

O objetivo de José Antônio Pereira era chegar às terras da região da Vacaria, ao sul da Província de Mato Grosso. Para isso, deveria seguir grande parte do caminho percorrido, em 1865/1866, pela coluna do exército brasileiro que combateu na Guerra do Paraguai, e que, partindo de Campinas, São Paulo, passando por Minas Gerais e Goiás, chegou ao palco de guerra, no território sul-mato-grossense.

PREPARATIVOS

A jornada seria longa, sendo assim, José Antônio preparou uma tropa de cerca de uma dúzia de animais, entre os de montaria e os de carga, com arreamento conveniente para o transporte de alimentos, remédios e sementes. Era imprescindível a presença de um bom guia, conhecedor dos caminhos, que os levasse aos famosos campos da Vacaria. Para tanto, foi contratado o sertanista Luiz Pinto Guimarães, residente em Uberaba e que havia acompanhado a expedição brasileira que participou da campanha da Laguna. Alguns meses se passaram até que tudo estivesse em ordem: planos de viagem, meios de locomoção e subsistência. Recursos financeiros não foram esquecidos, para as eventuais despesas durante o percurso. Até a melhor época para o empreendimento foi pensada, o outono, porque entre os meses de março e junho, as estiagens são mais longas, facilitando a travessia, a vau, dos rios ao longo do trajeto.

A PARTIDA: MONTE ALEGRE DE MINAS

José Antônio, juntamente com seu filho Antônio Luiz Pereira, o guia Luiz Pinto e dois escravos, partiu de Monte Alegre de Minas em 4 de março de 1872, uma segunda-feira.

Vamos nos transportar àquele tempo, com a ajuda do Visconde de Taunay, que relatou* detalhadamente a viagem da coluna do exército brasileiro em suas "CARTAS DA CAMPANHA DE MATTO GROSSO (1865 A 1866)" (1) e em "MARCHA DAS FORÇAS (EXPEDIÇÃO DE MATTO GROSSO) 1865-1866" (2). Segundo Epaminondas Alves Pereira, neto de Antônio Luiz, e que, com ele conviveu por cerca de 35 anos, ouvindo-lhe freqüentemente sobre suas viagens, o trajeto seguido por José Antônio foi muito semelhante ao descrito por Taunay, inclusive passando pelos mesmos povoados, para descanso e reabastecimento.

O Arraial de São Francisco das Chagas do Monte Alegre, daquela época, não deveria ser muito diferente do que descreveu Alfredo d'Escragnolle-Taunay, quando por ali passou, cerca de sete anos antes (em 14 de setembro de 1865):

"A 2 leguas do pouso, atravessa-se o córrego da Matta e, uma légua adiante entra-se, no arraial de Monte Alegre, onde chegamos ás 11 horas. Esta povoação do termo do Prata conta 400 a 500 habitantes e algumas casas commodas, caiadas e cobertas de telhas. A matriz offerece simples apparencia e fecha uma pequena praça rodeada de palhoças. O commercio, quasi nullo, se mantem, embora em muito insignificante escala, pela passagem, hoje rara, de lotes de animaes." [pg. 80] (2).

"Monte Alegre é um lugarzinho simpático de aspecto realmente risonho. Terá seus 400 ou 500 habitantes, algumas casas bastante boas, caiadas e de telhas. A Matriz é sumamente tosca. Diverti-me em lhe tirar uma vista. Muito pobrezinha com as suas torres e sua única porta a que dá acesso uma escadinha. O interior também de pobreza extrema, está bem de acordo com o movimento quase nulo do lugarejo de que é o mais importante edifício e a que animam as poucas tropas de cargueiros que por ali transitam. Acampamos um pouco adiante do arraial num lugar chamado Pimenta". [pg. 96] (1).

Deixando Monte Alegre, a pequena comitiva tomou o rumo noroeste, seguindo uma estrada que ligava Uberaba às terras goianas, através dos cerrados mineiros, e que passava pelo povoado de Santa Rita de Cássia, mais comumente chamado de Santa Rita do Paranaíba, situado à margem direita do rio Paranaíba, hoje Itumbiara, Goiás. Completavam, desse modo, um percurso de onze léguas (66 km).

A travessia do rio Paranaíba, àquela época, era através de uma pequena balsa, formada por duas canoas unidas por tábuas grosseiras, com a capacidade de levar 10 animais em cada viagem, e durava cerca de 40 minutos, de uma margem à outra. Era cobrada uma taxa de 700 réis por pessoa.

SANTA RITA DO PARANAÍBA (ITUMBIARA - GOIÁS)

Alcançam assim, a primeira etapa do percurso, Santa Rita, em Goiás, onde havia desde 1824, um porto com o mesmo nome, construído pelo português Cunha Mattos. Taunay descreve deste modo, os aspectos do povoado, em setembro de 1865:

"Ergue-se a povoação de Santa Rita de Cassia á margem direita do rio Paranahyba, estendendo as suas primeiras casas no declive da rampa que leva ao porto, onde aproam as barcas de passagem. A sua fundação é moderna; há vinte e tantos annos ahi se estabeleceram alguns mineiros exploradores, dando princípio a um arraial que foi erecto em freguezia no anno de 1850. O movimento commercial é quasi nullo; apenas alguma passagem e recovas carregadas de sal, com destino a Goyaz, tiram-na momentaneamente da atonia e estagnação que a personificam." [pg. 84-85] (2)

A viagem de José Antônio Pereira prossegue em sentido noroeste, e o próximo obstáculo a ser transposto é o Rio dos Bois, 22 léguas (132 km) além de Santa Rita do Paranaíba. A sua largura de quase 170 metros, travessia perigosa em razão da correnteza, obriga a passagem através de canoas e os animais, "a vau de orelha".

VILA DAS DORES DO RIO VERDE (RIO VERDE DE GOIÁS)

Depois de cerca de 41 léguas (246 km) de jornada em pleno cerrado goiano, desde Santa Rita do Paranaíba, chegam então à Vila das Dores do Rio Verde, também denominada, àquela época, Vila das Abóboras, hoje Rio Verde.

"A estrada percorrida desde Santa Rita do Paranahyba até a villa das Dores não tem traçado regular: picada aberta pela necessidade de communicação recíproca entre os habitantes de algumas fazendas, offerece estado mais ou menos viável pela natureza dos terrenos e pelo transito regular que se tem ido estabelecendo entre aquelles dois pontos." [pg. 108] (2)

A Vila das Dores, é assim descrita por Taunay, em 31 de outubro de 1865:

"A capella de Nossa Senhora das Dores ergue-se n'um alto que domina o povoado, cuja rua única é formada de palhoças, essas mesmas espaçadas e muitas já em ruínas.

Goza, comtudo, dos foros de villa, não correspondentes de certo com o estado que apresenta. A freguezia, porém, é bastante vasta: alguns fazendeiros de recursos habitam em sua área, e o caminho que a atravessa é hoje assaz animado pelo movimento das grandes boiadas que vão ter a Uberaba, dirigindo-se para o Rio de Janeiro." [pg. 109] (2)

BAÚS (MUNICÍPIO DE COSTA RICA - MATO GROSSO DO SUL)

Agora, a comitiva de José Antônio toma a direção oeste, procurando chegar à região de Baús (no atual Município de Costa Rica, Mato Grosso do Sul), em pleno território da então Província de Mato Grosso, distante 54 léguas (324 km). A viagem dá-se ainda nos cerrados de Goiás, com a travessia do Rio Doce através de ponte ali existente. Atinge, depois, os rios Claro (nas imediações da atual cidade de Jataí) e Verde, atravessando-os em trechos cujas vaus permitiam a sua transposição. Chega enfim em Baús, onde havia uma fazenda à margem direita de ribeirão do mesmo nome. Vencido esse longo percurso, com inúmeras interrupções para refazimento e pernoites, teria feito também, a comitiva de José Antônio, parada de descanso naquela fazenda, como as forças brasileiras que combateram na Guerra do Paraguai?

Voltamos aos escritos de Taunay:

"Esta parada foi de obrigatória necessidade: as marchas cansativas e em dias seguidos tinham fatigado em excesso a força e feito perecer grande porção de animaes muares e cavallares. As bestas de transporte necessitavam ser tratadas e pensadas para poderem por mais tempo continuar viagem." [pg. 180] (2)

A FAZENDA CAMAPUÃ (CAMAPUÃ - MATO GROSSO DO SUL)

A marcha de José Antônio Pereira para oeste continua, em cerrados da Província de Mato Grosso, na direção de Coxim, por caminhos já palmilhados, ora arenosos, ora argilosos, procurando sempre os espigões à montante dos rios. Inicialmente, através de uma ponte, atravessa o ribeirão Sucuriú (que se transformará, mais ao sul, no rio Sucuriú ao receber afluentes). Ultrapassa as cabeceiras do rio Jauru, e, seguindo as imediações da serra de Santa Marta e da serra Sellada, atravessa, a vau, os ribeirões afluentes, à direita, do rio Jauru. José Antônio Pereira, depois de vencer quase 40 léguas, chega ao extremo norte da serra de Maracaju, e se dirige para o sul, deixando à direita, as margens do rio Coxim, rumando em busca de Camapuã. Em "Céus e Terras do Brasil", Taunay, de retorno à Corte no Rio de Janeiro, descreve sua passagem por Camapuã:

"Ràpidamente transpusemos as três léguas que separam o Sanguessuga das ruínas de Camapuã, e ao meio-dia avistámos os restos, para assim dizer, imponentes daquela importante fazenda, sede outrora de muito movimento, de todo o que se dava por aquêles sertões. Ainda se vêem vestígios de grande casa de sobrado e de uma igreja não pequena; taperas rodeadas de matagais, no meio dos quais surgem laranjeiras e árvores frutíferas, que procuram resistir à invasão do mato e ainda ostentam frutos, como que atraindo o homem, cujo auxílio em vão esperam. Naquelas três léguas aparecem sinais de trabalhos consideráveis: estradas de rodagem atiradas por sobre colinas, caminhos roídos pelas águas, onde transitavam grandes procissões de carros a trabalharem na penosa varação, até o ribeirão Camapuã, dos gêneros e canoas que demandavam o Coxim e Taquari, com destino a Cuiabá. (...) manteve-se mais ou menos florescente até os princípios do século presente, existindo ainda escravatura numerosa às ordens do último administrador, Arruda Botelho, depois de cujo falecimento ficou o lugar abandonado ou tão-sòmente habitado por negros e mulatos livres, ou libertados pelo fato de não aparecerem herdeiros de seus possuidores.

Estes mesmos indolentes habitantes hoje estão quase todos reunidos a uma légua e três quartos de distância, no lugar chamado Corredor (...)" [pg. 88-89] (3)

EM BUSCA DOS CAMPOS DA VACARIA

Varando os cerrados do sul da Província de Mato Grosso, José Antônio Pereira, continua sua viagem, procurando chegar aos campos da Vacaria. Chega ao pouso do Jabota, passa através do Brejinho, pelo córrego Pontinha, Maribondo e Perdizes. Depois de percorrer quase 30 léguas, alcança o ribeirão das Botas.

Cavalgando ainda na direção sul, poucas léguas mais, em 21 de junho de 1872 chega à confluência de dois córregos, depois denominados: "Prosa" e "Segredo"; em área completamente desabitada da região do então denominado "Campo Grande". Este, estendia-se a partir dos campos da Vacaria, no sentido norte, e a leste das fraldas da serra de Maracaju.

Taunay, quando por aqui passou, em sua viagem de retorno a Corte, assim descreve esta região:

"Uma légua mais entramos no Campo Grande. Esta extensa campina constitui vastíssimo chapadão de mais de cinqüenta léguas de extensão, em que raras árvores rompem a monotonia duma planura sem fim (...)". [pg. 85] (3)

Foram 3 meses e meio de viagem, percorrendo aproximadamente 180 léguas, de Monte Alegre de Minas ao Campo Grande.


* Cuidamos, para que as citações, tanto quanto possível, mantivessem a ortografia das obras originais.

BIBLIOGRAFIA:

1. TAUNAY, Visconde de. CARTAS DA CAMPANHA DE MATTO GROSSO (1865 A 1866). Cia. Melhoramentos, São Paulo, 1921.

2. _________.MARCHA DAS FORÇAS (EXPEDIÇÃO DE MATTO GROSSO) 1865-1866 - Do Rio de Janeiro ao Coxim. (Edição ilustrada com desenhos do Autor). Cia. Melhoramentos, São Paulo, 1928.

3. _________.CÉUS E TERRAS DO BRASIL (9ª edição). VIAGENS DE OUTRORA (3ª edição). Cia. Melhoramentos, São Paulo, 1948.

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