História da fundação de Campo Grande

Epaminondas Alves Pereira (1904-1988), bisneto de José Antônio Pereira, nasceu aos 22 de dezembro, em Campo Grande. Ficou órfão de pai aos 3 anos de idade, sendo criado a partir de então, como verdadeiro filho, por seus avós maternos Antônio Luiz Pereira (filho de José Antônio Pereira) e Anna Luiza de Souza (filha de Manoel Vieira de Souza), até aos 16 anos.
13-12-1926

Comenta-se, entre seus familiares, que Epaminondas, alguns primos, e tios, costumavam ouvir atentamente os relatos de Antônio Luiz sobre suas viagens, desde a primeira, entre Minas Gerais e o Campo Grande, em companhia do Fundador. Também os da vovó Anna Luiza, sobre a viagem de sua família, desde Prata (MG), tendo à frente "Manoel Olivério", seu pai.

1986



Toda cidade tem sua história ligada a um princípio, um porto ou uma estação de estrada de ferro. Com Campo Grande foi diferente; nasceu em pleno sertão, por iniciativa do espírito arrojado e do pioneirismo de José Antônio Pereira, que teve a coragem de desbravar esta rica terra sul-mato-grossense.

Natural de Minas Gerais, residente na cidade mineira de Monte Alegre, empreendeu sua primeira viagem rumo ao sul da então Província de Mato Grosso, à procura de campos para criar e matas para lavouras.

Tendo notícia da Vacaria com suas vastas campinas, formou uma comitiva composta por cinco pessoas, dentre estas, seu filho Antônio Luiz, dois escravos (os irmãos João e Manoel) e Luiz Pinto, prático em viagens pelo sertão, residente em Uberaba.

Em 4 de março do ano de 1872 a pequena caravana partiu de Minas rumo a estas paragens, trilhando os caminhos deixados pelos nossos soldados que combateram os invasores do território brasileiro na Guerra do Paraguai.

A comitiva, após três meses de caminhada, chega a 21 de junho à confluência de dois córregos, mais tarde denominados "Prosa" e "Segredo". José Antônio Pereira com seus quase cinqüenta anos de idade, alquebrado pela longa viagem mas satisfeito com o panorama que a seus olhos se descortinava, deu por finda a excursão.

Enquanto descansam constroem um rancho coberto de folhas de buriti, e em seguida, derrubam pequena mata que existia entre os dois córregos. Numa área, de aproximadamente um quarto de alqueire, procedeu-se o preparo da terra e o plantio de milho e arroz, cuja lavoura, devido à fertilidade exuberante do solo, correspondeu plenamente à experiência otimista de José Antônio e seus companheiros de jornada.

Atravessavam já o mês de novembro e a plantação era promissora; o desbravador não se enganara quanto à excelente qualidade da terra. Os viajores e seus animais, já refeitos fisicamente da longa caminhada e da labuta na formação da roça vicejante, sob as ordens de José Antônio, resolvem regressar à terra natal, em busca de suas famílias.

A pequena propriedade não podia ser deixada ao abandono. De volta a Minas Gerais José Antônio passa por Camapuã, em cujos arredores moravam poucas pessoas remanescentes da Fazenda do mesmo nome, entre elas o poconeano João Nepomuceno, com quem José Antônio entra em entendimento para vir cuidá-la, até o seu regresso de Minas.

Em meados de 1875 chega por aqui Manoel Vieira de Souza (Manoel Olivério), mineiro que também fora atraído pelas notícias dos campos da Vacaria. Manoel Olivério, com dois carros de bois, vinha em companhia de seus filhos, de sua mãe e de seus irmãos Cândido Vieira de Souza e Joaquim Vieira de Souza, alguns empregados, um dos quais Joaquim Dias Moreira (Joaquim Bagage). Este encontro proporcionou a Nepomuceno oferecer a Manoel Olivério a pequena propriedade que zelara até então, constituída de um rancho e a colheita da última safra, alegando que José Antônio não havia aparecido, e decorridos quase três anos, talvez não mais voltasse. Dispunha-se a vendê-la pela quantia de trinta mil réis. Acertaram o negócio na condição de que se o dono aparecesse, Manoel Olivério a entregaria, mediante o ressarcimento da importância citada, que na época representava muito dinheiro.

Enquanto seus irmãos seguem para a Vacaria, Manoel Olivério, que era viúvo, fica em companhia da velha mãe, dos filhos José, Francisco, Maria Helena, Anna Luiza e Helena, de um casal de escravos e ainda de Joaquim Bagage. Para sua surpresa, em 14 de agosto do mesmo ano, chega José Antônio à frente de numerosa caravana composta de onze carros mineiros, carregados de víveresf, mudas e sementes de árvores frutíferas, um lote de gado de cria, etc., fazendo-se acompanhar de sua esposa Maria Carolina de Oliveira e de seus filhos Antônio Luiz, Joaquim Antônio, Francisca, Perciliana, Ana Constança, Rita e Maria Nazareth, do genro Manoel Gonçalves, de alguns sobrinhos e mais escravos amigos, formando um total de 62 pessoas.

Desenho de PERCY LAU*

Manoel Vieira de Souza, até então desconhecido, pois era de Prata, outra cidade mineira, recebe-o amistosamente expondo as condições de seu negócio com João Nepomuceno e prontifica-se entregar a propriedade a seu legítimo dono. José Antônio, idealista e cordato, dá por bem feita a transação convidando-o para trabalharem de comum acordo. Assume, desta forma, o comando do pequeno povoado nascente e providencia a construção de oito ou mais ranchos às margens do córrego que atualmente chamamos de Prosa. Os ranchos faziam frente para a atual rua 26 de Agosto.

José Antônio Pereira, traçando os limites do povoado, denominou-o ARRAIAL DE SANTO ANTÔNIO DO CAMPO GRANDE, em homenagem ao Santo de sua devoção. Quando de mudança, passando por Santana de Paranaíba, foi obrigado a interromper por alguns meses sua viagem em virtude da malária que estava acometendo a população daquele lugar. Prático de farmácia e adepto da fitoterapia, tido naquela época como um bom "médico", permaneceu o tempo suficiente para debelar a epidemia, salvando muitas vidas, tanto nessa ocasião como em outras, até o fim de sua existência. Foi lá que fez uma promessa a Santo Antônio de Pádua, cuja imagem já o acompanhava, de construir uma Igreja quando aqui chegasse, caso não perdesse um só dos seus. Esta foi a origem do abençoado nome da nossa querida cidade.

Claro ficou que a população de Campo Grande, com o retorno de seu fundador, elevou-se para 72 pessoas. No mês de agosto, já um pouco tarde para o plantio, os moradores fazem pequenas roças na esperança de conseguirem ainda boa colheita, dada a fertilidade do solo; porém foram surpreendidos por uma nuvem de gafanhotos que deixaram a lavoura em terra limpa. As sementes haviam se esgotado e restavam em abundância abóboras e morangas, que juntamente com a carne de caça e bovina, foram os únicos alimentos da pequena e brava população. Os sertanistas não desanimaram e continuaram o labor, unidos, como se fossem uma só família.

Nos anos seguintes, isto é, em 1876 e 1877, José Antônio Pereira deu cumprimento a promessa que fizera, construindo uma igrejinha de pau-a-pique, coberta de telhas transportadas do abandonado Camapuã.

Terminada a capela, logo combinaram os casamentos do velho viúvo Manoel Vieira de Souza com Francisca de Jesus (filha de José Antônio) e ainda de Joaquim Antônio com Maria Helena e Antônio Luiz com Anna Luiza, eles, filhos do fundador e elas, filhas de Manoel Vieira. Assim, no início de 1878 José Antônio vai a Nioaque, contrata o padre Julião Urchia para dar benção à Igreja e celebrar os primeiros casamentos e batizados. Em 4 de março de 1878, recebia o pequeno povoado a bênção de Deus por intermédio do abnegado sacerdote, que de acordo com as normas vigentes declarava casados: Antônio Luiz Pereira e Anna Luiza de Souza, Joaquim Antônio Pereira e Maria Helena de Souza, Manoel Vieira de Souza e Francisca de Jesus. Conclui-se então que Manoel Vieira ficou sendo cunhado de seus genros. Foram celebrados também vários batizados.

Ainda em 1878 José Antônio Pereira volta pela última vez a sua terra natal, naturalmente para liquidar alguns negócios e trazer outros familiares, entre eles, seu genro Antônio Gonçalves, Maria Joaquina, filha deste, seu marido Tomé Martins Cardoso e a filhinha do casal, Maria Jesuína de Jesus.

Após o regresso de Minas Gerais, José Antônio recomeça suas atividades. Preservando a área que havia delimitado para a sede do Arraial, determina as posses das primeiras fazendas, na seguinte ordem: Fazenda Bandeira, que coube a Joaquim Antônio; Fazenda Bálsamo, para Antônio Luiz; Fazenda Lajeado, para Manoel Vieira de Souza; Fazenda Bom Jardim, para o próprio fundador e Fazenda Três Barras, aos genros Antônio e Manoel Gonçalves. Desse ano em diante, novas caravanas foram chegando e se localizando de acordo com as orientações dadas pelo pioneiro José Antônio Pereira. Entre os primeiros moradores destacaram-se os Vieira de Rezende, no Anhanduizinho; os Caçadores, nas encostas da Serra de Maracaju; os Taveira, nas margens do ribeirão das Botas e assim por diante.

O entusiasmo dos primeiros habitantes contagiava a todos, pois diariamente chegavam mais pessoas para aumentar as atividades da povoação, dedicando-se à lavoura, à criação e ao comércio em geral. Entre estes, Antônio Augusto de Carvalho, Bernardo Franco Baís, Joaquim Vieira de Almeida e muitos outros, contribuíram na formação de nossa gente. Em princípios de 1889, atendendo ao apelo dos habitantes, chegou o inesquecível mestre José Rodrigues Benfica que abriu, em nossa terra, a primeira escola.

Assim se resume a História da Fundação do Arraial de Santo Antônio do Campo Grande; que o autor, bisneto dos fundadores, conseguiu, em pálidas e despretensiosas linhas, contar aos campo-grandenses, que hoje constroem com galhardia o futuro radioso de nossa querida cidade.

* Desenho de Percy Lau, retirado do livro: Ciclo do Carro de Bois no Brasil. Autor: Bernardino José de Souza. Cia. Ed. Nacional, SP, 1958.

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