MONJOLO D'ÁGUA Alberto do Rego Rangel [Alberto do Rego Rangel (1871-1945), historiador,
escreveu este lindo texto sobre o monjolo em "Quando o Brasil amanhecia". Esta
obra-prima acha-se transcrita no livro "O milho e o Monjolo" de Carlos Borges
Schmidt (*).]
"Triturando as macaúbas, pulverizando o milho ou descascando
o arroz, o aparelho é lição corriqueira à moral sertaneja.
Exemplifica a modéstia, o labor e a eternidade.
Quanta poesia se desprende desse malho e desse
gral, com a melopéa brusca: chouan-pong! a pelar a canjica
no fundo do grotão! Tem o som raspado, misterioso e cavo da aldraba na
porta chumbada de uma sovaca, a gravidade melancolizante dos pêndulos e a
serventia boçal dos africanos.
Merecia um desafio entre cantadores, dos bons, e as odes dos
poetas laureados. O regato tenta afogar o madeiro prestante, mas este se
defende, dando uma simples descaída de ombros. Tronco inteligente, viga
prestadia e, sobretudo, complacente, rejeita o quanto lhe entornam na queixada
e, desta forma, nunca se estanca a sede que o instabiliza.
Deram-lhe o nome depreciativo de preguiça, sem lhe
reconhecer a proveitosa lentidão, fruto divino do seu dote de incansável.
Representa o passado e a perseverança, conta as horas por
igual, meia noite é um despejo e uma pancada, a amassar o pão de cada dia, com
as currupiras e caaporas traquinando-lhe na gangorra.
A haste marruaz oscila na tranqueta ou cavilha
da virgem ou pasmado. Ajuda-a na descambada do balanço e
contrapeso do macaco. A água preenche a cavidade do cocho que a
rejeita para o receptáculo nomeado inferno. A mão firme na
malheta da munheca, tomba a estrondar, pulverizando o cereal do
bojo do pilão.
A fim de deter o monjolo no movimento alternativo especam-no
com a estronca. Aí está toda a nomenclatura e manobra da alavanca de
primeiro gênero que tem uma ducha por potência e dança em batecum de
bombo a seu passo de marcha cadenciada e soturna.
Mistral cantou um poema às cento e tantas peças da charrua, e
ainda não houve brasileiro que poetasse sobre as nove ou dez partes do monjolo.
Como tudo mais, passarás!
Transformaram-te para melhor numa roda Pelton! Qual será teu
último avatar, martelão de pau rombo e certeiro, indesregrável e
sonoro?" * IN: CARLOS BORGES SCHMIDT, O Milho e o Monjolo,
Aspectos da civilização do milho. Técnicas, utensílios e maquinaria
tradicionais. Edições SIA. Documentário da Vida Rural Nº 20. Serviço de
Informação Agrícola do Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, 1967,
(pg.49-50). GLOSSÁRIO: Batecum: Pancada, batida, batucada. Bombo: Tambor. Cavilha: Peça de madeira ou de metal para juntar ou segurar madeiras ou chapas. Possui nas extremidades: de um lado, uma cabeça; e do outro, uma fenda que a mantém presa através de uma chaveta. No monjolo, funciona como um eixo sobre o qual oscila a haste. Eixo. Chouan-Pong: Utilizado aqui como termo onomatopéico para o som do jorro d'água do cocho do monjolo sobre o "inferno" e o estrondo da batida do pilão. Cocho: Receptáculo em forma de tanque, escavado no tronco da madeira, oposto à haste do monjolo. Transborda-se ao receber um certo volume de água, cujo peso desequilibra-o para baixo, fazendo com que a mão do pilão se levante na outra extremidade. Ao chegar bem junto ao solo, no máximo de sua flexão, deixa a água se escoar no "inferno" ou sumidouro. Gamelão. Estronca: Escora. Gral: Pilão, almofariz. Grotão: Buraco, depressão funda. Haste: Peça longa de madeira que se constitui no prolongamento oposto do cocho do monjolo, além de seu eixo de equilíbrio, e em cuja extremidade está encaixada a mão de pilão. Inferno: Local, no chão, em forma de receptáculo côncavo, onde se escoa a água que transborda do cocho (ou gamelão) do monjolo. Calabouço, sumidouro. Macaco: Peça de madeira ou de ferro colocada sobre a haste do monjolo, como contrapeso. Maromba. Malho: Maço da mão do pilão. Mão de pilão, do monjolo. Malheta: Parte da mão do pilão, arredondada e de maior diâmetro, que entra em contacto direto com os grãos, socando-os. Munheca, maço. Mão: Peça de madeira encaixada, verticalmente, na extremidade da haste do monjolo através de um orifício. Sua parte inferior, mais espessa ("maço"), bate no centro do pilão. Munheca: Mão do pilão. Pasmado: Cavalete constituído de dois mourões que, atravessado por um eixo (denominado também de cavilha), sustenta a haste do monjolo. Virgem. Pilão: Designação comum a diversos instrumentos que servem para bater, triturar ou calcar. Instrumento de origem universal, que se presta para triturar o milho ou descascar o café e o arroz. É constituído de um receptáculo de madeira (almofariz, gral) e uma peça cilíndrica (mão do pilão), cuja extremidade é arredondada e de maior diâmetro (maço), que se utiliza para socar os grãos. Gral, almofariz. Pelar: Descascar, pisar ou moer no pilão, apisoar. Preguiça: Apelido dado ao monjolo, depreciativo à sua lentidão. Tranqueta: Pequena peça de madeira ou de ferro que serve como trava, na extremidade do eixo sobre o qual oscila a haste do monjolo. Virgem: Cavalete constituído de dois mourões que, atravessado por um eixo (denominado também de cavilha), sustenta a haste do monjolo. Pasmado. |