O MANGUEIRO DA FAZENDA BÁLSAMO

Euripedes Barsanulfo Pereira

A madrugada avançava pouco a pouco, e a quietude da noite ainda envolvia o casarão, apenas entrecortada, quando em vez, pelos ruídos da natureza, preludiando uma nova manhã.

Dos poleiros, no quintal, os galos desdobravam seus cantos, que ecoavam longe anunciando a alvorada.

Os primeiros raios projetar-se-iam entre as vegetações mais altas do cerrado, para os lados do nascente, estuando sobre telhas, folhas e flores, úmidas de orvalho, da sede da Fazenda Bálsamo.

Do pasto chegavam estrídulos esparsos de quero-queros. Dos troncos, das cercas, ou de cupinzeiros, chilrear de corujas e guinchos de caburés.

De tempos em tempos, piados de perdizes e codornas, assovios de mutuns, e trinados de seriemas distantes.

Mugidos de bezerros famintos pareciam responder aos de vacas, que se aproximavam lentamente do curral, úberes ingurgitados, à procura de suas crias.



Era um relógio vivo despertando a família de Antônio Luiz Pereira para o desjejum e as fainas de mais um dia.

O mangueiro localizava-se à direita da entrada principal, adjacente ao galpão do carro de bois. Fora construído de pau-a-pique em torno de uma figueira gigante, cujas frondes sombreavam-lhe o centro. Ali o frescor matinal iria encontrar o mineiro, seus filhos e agregados, nos labores da leiteria. Nos primeiros tempos, manejando vacas crioulas procriadas das trazidas de Monte Alegre; depois, zebus, que as substituíram, gradativamente.

As crianças da fazenda, abeiradas ao cercado, adoravam ajudar a liberação dos pequenos terneiros; e acompanhar, com os olhos, a procura frenética dos animaizinhos por suas mães, que instintivamente acabavam logo encontrando, no meio de tantas.

Antes da ordenha manual, as patas traseiras das reses eram peadas, incluindo-se os rabos mais agitados. As mesmas cordas que se ajustavam, em buçal, nos focinhos dos bezerros, eram maneadas às patas dianteiras de suas genitoras, que, amorosamente, lambiam o dorso dos filhotes.

Tamborete de uma perna só enlaçado ao quadril, Antônio Luiz procedia à ordenha bi manual vigorosa, direcionando os jatos de leite para borbulharem no balde, contido entre os joelhos.



Ao final, convocava netos e bisnetos para aproximarem os canecos e receberem o pojo, quinhão de leite vertido de tetas ainda tumefeitas.

No meio da criação, sempre havia alguma rês amojada, em verdadeiro pré-natal, acostumando-se às rotinas do mangueiro. Outras vezes, em quadro desolador, algum bezerro era recoberto pelo couro de um natimorto, para entreter a mãe que o perdera. Enquanto se procedia à ordenha, iludida, a infeliz soltava o leite, cheirando e lambendo o couro sem vida, acreditando que seu rebento ali estivesse.

Sobre uma bancada, junto à cerca, descansavam os latões, com suas bocas vestidas por filtros de tecidos, oriundos de embalagens de sal.



O trabalho afanoso daquela gente resultava em dezenas e dezenas de litros de leite morno e espumoso, que enchiam os vasilhames.

Do mangueirão da fazenda, a parte que se destinava ao consumo doméstico e à produção de coalhada, era transportada para a cozinha. Quantidade apreciável era misturada ao coalho, para o fabrico de queijo.



Depois de uma a duas horas de fermentação, a coalhada aos poucos ia sendo transferida para esgotar o soro sobre a queijeira.


Essa pequena mesa era ligeiramente inclinada para um dos lados por pernas mais curtas, e possuía, junto às bordas, estreitos sulcos que, unidos na extremidade mais baixa, permitiam escoar o soro em bica.


Finalmente, as fôrmas de madeira, confeccionadas pelo próprio Antônio Luiz, recebiam as massas de coalhada, que eram espremidas manualmente para a retirada do restante de soro e salgadas em sua superfície superior. Enfaixados por finas tiras de algodão, os queijos típicos de Minas iam descansar nas prateleiras, dependurados no alpendre.


Fotografias tiradas em junho de 2001 na Chácara Nova Esperança, situada em terras da antiga Fazenda Bálsamo, às margens do córrego Gameleira, de propriedade de Antônio Ferreira, tetraneto de José Antônio Pereira. Ordenhando as vacas, Sérgio Ferreira. Agradecemos as Sras. Noêmia e Jucilene, que pacienciosamente nos propiciaram as imagens do fabrico artesanal do queijo.

Antônio Ferreira
montado no seu cavalo